Já faz dois meses que eu e Fabiano temos nossa vida de certo modo ‘dividida’. Não é exatamente essa palavra que gostaria de usar, mas ainda não achei outra que desse um sentido mais adequado ao que temos vivido. É que, em verdade dividimos nosso cotidiano entre nossa casa e trabalho (no caso do Fabiano) e o hospital onde Joãozinho passou a morar em 22 de fevereiro. Não gosto da palavra ‘dividida’ porque dá a impressão de que vivemos vidas separadas, distintas, o que não é o caso. Não há como estar em casa com meus outros dois filhos sem pensar no João; assim como não dá para estar todos os dias com João sem pensar no restante da família e de coisas que gostaria ou preciso fazer.
Pude ter longas conversas com a psicóloga do hospital sobre a sensação de dividir os mundos e sobre a angustia que isso às vezes traz. Quando se trata de uma situação provisória de estar no hospital, mesmo que por um período mais alongado, você vai lidando com esse tempo de um modo diferente: pode colocar suas energias de um modo mais intenso, pois é por um período. Mas quando não se tem previsão de alta? Quando você precisa incorporar ao seu cotidiano o hospital por tempo indeterminado? É possível unir esses mundos? Como?
Como viver a dedicação necessária ao pequeno João e, ao mesmo tempo seguir vivendo suficientemente bem? Como não esquecer-me de quem eu sou e de que outros também precisam de mim?
Certamente, essas perguntas não tem uma única resposta. Em muitos momentos os sentimentos se confundem, às vezes o desanimo bate a porta do coração. E o desanimo vai mimando/corroendo os sentidos que a duras penas fomos construindo, vai querendo nos convencer de que somos fracos demais... temos permanecido vigilantes ás tristezas e desânimos um do outro, buscado consolar, buscado consolo em Deus e com amigos, conversado sobre os sentimentos e sensações.
E aí, levantamos para um novo dia que começa. Olhamos a agenda da semana. Levamos as crianças para dormir cantando ‘Mãezinha do céu’. Vamos à festinha de aniversário. Vamos ao churrasco de domingo com os avós. Aconchegamos o João em seus momentos de dor e desconforto. Rimos com ele e a equipe de enfermagem. Jogo conversa fora com as fisioterapeutas. Temos conversas difíceis com os médicos. Temos conversas agradáveis com os mesmos médicos. Choro com Jesus em minha oração pessoal. Peço a graça da fortaleza para o Fabiano, ele me abraça e me pede mais um pouco de coragem. Decidimos continuar a viver felizes tudo que o Bom Deus nos reservou pra essa vida e que com liberdade aceitamos.