quinta-feira, 22 de novembro de 2012

18 de novembro




Dia 18 de novembro vai ser sempre especial. 
Foi o dia em que começou tua luta pra viver fora de mim.
 Novembro de 2010, foi o mês mais longo que já vivi.
Mês de cti-neo. De duas cirurgias.

Tu, o garoto que tinha 5% de chance de viver mais de 48 horas, nasceu e viveu 7.632 horas.
Dia 18 de novembro eu me lembrei do trabalho de parto, da noite com contrações e da espera angustiante.
Lembrei de ver na face do teu pai grossas lágrimas que sussurraram no meu ouvido: "ele vai viver".
Lembrei da pediatra te trazendo enroladinho, roxo mas mexendo-se.
Lembrei da ansiedade de estar 'aprisionada' naquela maca de parto, sozinha com enfermeiras e médicos, chorando não a dor da sutura na epísio, chorando a dor de não ir contigo por aqueles corredores brancos.
Lembrei como foi bom te rever horas mais tarde, todo rosadinho e descobrir que teu cabelo era vermelho como fogo.
 Lembrei da tua estadia aqui em casa e de quanto pude te cuidar.
Lembrei como foi bom te ver ficar gordinho, crescer um tanto.
Lembrei como era bom te dar um colinho nas tardes de inverno.

Dia 18 eu lembrei de ti, filho e, como num filme ou num livro, lembrei do que tínhamos vivido juntos.
Lembrei e chorei. Lembrei e me alegrei.




segunda-feira, 12 de novembro de 2012

novo irmão

     Minha menstruação atrasou, e não deu outra: teste de gravidez positivo!

     Fabiano e eu sempre quisemos formar uma família numerosa. Quatro filhos seria o mínimo. Com um forte desejo e planos de adotar uma criança especial, quando os nossos já estivessem maiorzinhos. Papai do céu providenciou um filho especial de sangue mesmo e logo com os dois pequeninos - e Ele deve ter lá suas razões...

     Não ficamos grávidos por saudade ou carência. Este neném (que tem apenas 8 semanas de vida) não vem para suprir a falta que o João faz. O buraco deixado em nós pela ausência do Joãozinho é eterno, não há o que o possa preencher, nem mesmo uma nova vida. Também não desejamos este filho para ser o que o Joãozinho, em suas fragilidades, não pode ser para nós.

     Nos alegramos, e muito, com esta boa nova!

     Já recebi alguns e-mail, de mulheres que me encontraram aqui pelo blog ou pelo face, e que falavam do medo de engravidar novamente depois de terem perdido um filho com Patau. Na verdade um medo de que a síndrome se repita; embora não exista probabilidade aumentada de desenvolver tal síndrome se já há histórico. Embora sendo genética, não é uma síndrome hereditária, ocorreu ao acaso no momento da divisão celular e replicação do DNA. 
     Eu não tenho este medo. Não penso nesta hipótese. Não ocupo a mente versando sobre este tema.


A vida sempre vence.  Mesmo quando  parece que a morte já a derrotou. Ela brota junto daqueles que a deixam vencer!

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Êba!

Jantávamos na sexta-feira a noite. Todos à mesa, rizadas, conversas, histórias do dia.
Papai-Fabiano anuncia: "amanhã vamos ao cemitério, visitar o túmulo do João".
Ressoa pela casa: EEEEEEBBBBAAAAAA!! Ana Luíza e Pedro batem palmas e começam a fazer várias perguntas animados: posso escolher uma flor?

Naquela cena, um tanto inacreditável, eu me perguntei.... será que exageramos em algo? será que a idéia (um tanto psicológica) de elaborar o luto foi muito extremada? será que a catequese (apoio da fé) para o entendimento da morte foi demasiada para crianças?


E o sábado chegou, com seu calor de primavera.
Passamos na floricultura. Pedro escolheu uma violeta e Ana Luíza um pequeno cactus.
Passando o portão gradeado, Pedro dispara na frente. Diz saber onde fica, mas por um momento perde-se nos caminhos tortuosos entre fotinhos, nomezinhos e lages.
Chegamos. Começo a limpeza e logo os dois disputam a possibilidade de me auxiliar. Ganham tarefas coordenadas pelo pai. Coloca sabão, esfrega, joga água, seca... tudo de novo.
Terminada a tarefa, nos acocamos. Rezamos juntos, cada um falou um pouco. Pedroca logo marejou os olhos de lágrimas. Tchau João, Ana joga-lhe beijos (na foto e no ar).

Desculpe-me se este texto (e quem sabe o blog mesmo) lhe pareça mórbido. A intenção não é exaltar a morte, mas refletir a cerca de sua natureza. Viver e morrer são realidades tão próximas.

Concluí que não houve exageros em nossas homenagens. Naturalizar a morte (inerente à vida) não é naturalizar a dor de passar por ela. Vivemos a dor da morte. Mas essa dor não paraliza nossa vida. Tateamos maneiras de passar por isso junto de nossos filhos, pois eles não foram (nem poderiam ser) alheios a história do irmão. Com o desejo de que passassem por esta experiência da melhor forma possível. Buscamos formas de junto deles elaborar a morte do João.


Mas as crianças são concretas e sinceras. É assim que nos exigem passar pelo luto.
Assumimos o risco de falar no irmão, de leva-los ao cemitério, de rezar, de recontar a história para eles.
Estamos dispostos a ouvir o choro e a saudade, as perguntas duras e difíceis de responder... para dar-lhes a chance de também construir algum significado.

Pedro está fazendo terapia.
Eu tenho Fabiano, ele a mim. 
Nós temos a Deus. 
E a Aninha segue com suas explicações mágicas e incríveis.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

poema triste


É A MORTE
CHEGA DERREPENTE, ÁS VEZES
MAS QUASE SEMPRE AVISA, E INSISTE
CHEGA E PROVOCA-NOS
INTERDITA A BOCA DAS PALAVRAS
INUNDA OS OLHOS DAS LÁGRIMAS
E SE VOCÊ NÃO CUMPRIMENTÁ-LA, SUFOCA O PEITO.

É A MORTE
QUE PASSANDO AO LADO, SORRI
IRONIA DE QUEM SE SABE MAIS FORTE QUE TU

É A MORTE QUE VEM NOS AVISAR
SOBRE A POTENCIA QUE É VIVER

domingo, 23 de setembro de 2012

Deus é Capaz


Recém chegados da missa. 
Nas intenções, a páscoa do João. 
Nos corações a saudade.
No altar tinha uma grande foto do Joãozinho.
O evangelho lido em alta voz pelo diácono e amigo dizia:
 "quem receber a um destes pequenos é a mim que recebe"
confirmava a nossa escolha.
Meu amigo e irmão de comunidade, 
que entoava as canções da celebração, 
disse enquanto rezava:
 "esta imagem faz-nos lembrar que Deus é vivo e é por nós... Deus é capaz!".

Cantamos juntos a música que embalava as minhas orações e do Fabiano. 



sábado, 15 de setembro de 2012

ventos e um convite especial

Setembro chega com cheiro de primavera.
Gosto de setembro, das flores, dos Ipês floridos de Porto Alegre 
e, principalmente do vento de primavera.
Mas este vento, que chega ventando agora,
traz as lembranças das outras primaveras.
26 de setembro de 2011
o sopro de vida que sustentava o João foi soprar em outro lugar.
O vento que hoje sacode os cachinhos da Ana Luíza, 
o vento de fim de tarde que traz a chuva 
tão comemorada pelo Pedrinho (que adora as poças d´água)...
 o vento desta primavera carrega a saudade de um ano inteiro.



Estaremos reunidos no domingo, dia 23 de setembro de 2012, às 19h30min, na Paróquia Nossa Senhora de Fátima (em  Guaíba) para recordar, em Deus, o valor da vida do Joãozinho.


terça-feira, 21 de agosto de 2012

Buracos

Há dias meu coração se inquieta com desejo de escrever no blog, mas a correria do dia-a-dia não me deixa sossegada para isso. Essa inquietação é reflexo também da aproximação da data de sua morte: 29 de setembro do ano passado João nos deixou. A sensação que tenho é de que ando como que 'fazendo um balanço', pesando, refletindo sobre esse ano que passou. E que passou muito rápido. Eu nem percebi, mas nós recomeçamos, transformamos nosso cotidiano, estamos vivendo com gosto e alegria. Mas há sempre um buraco. Um buraco enorme, que olhando assim rapidamente ninguém nota. E esse buraco tem nome, pelo menos em português: é saudade.

Hoje eu recebi um e-mail da Raquel. Não a conheço. Sei apenas que é mãe do Matheus, que esteve apenas quatro meses na terra, mas ainda mora no seu coração. Já se passaram 10 anos da morte de Matheus. Que também tinha a trissomia do cromossomo 13. Que também lutou para viver a sua vida. Que também foi extremamente amado e cuidado. 

Descubro hoje, trocando palavras escritas via internet, que este buraco não vai desaparecer. Que eu vou ter de conviver com ele cuidando para não cair em sua escuridão. E talvez daqui a dez anos eu escreva um blog sobre a saudade.




sábado, 30 de junho de 2012

"Carregar até o fim"

Ontem acabei de ler um belo livro "Os últimos quatro meses", de Quésia Tamara Villamil. Trata-se de um diário. O diário de uma gravidez. Uma gravidez especial, de um bebê com anencefalia.  Um livro que eu conheci pela internet (no link: http://www.youtube.com/watch?v=2DrDBRFApLs&feature=player_embedded) e que traduziu muitos dos sentimentos, lutas e emoções vividas na minha história com João. Quésia (que é médica obstetra) nos conta como transformou um bebê com anencefalia na sua linda filha Esther.

Mas hoje queria partilhar uma questão que a autora traz: sua opinião em relação ao aborto de anencéfalos. Pensando que só quem passa por tal situação pode ter uma opinião formulada, a autora decide explicitá-la. 
A minha opinião é a mesma. Acho que a saída mais saudável emocionalmente pode ser a de levar a termo tais gravidezes. Mais além, penso que atualmente os profissionais não estão preparados para acompanhar e auxiliar suas pacientes nas suas decisões - e isso inclui escutar as crenças, valores e sonhos destas famílias e mulheres. A objetividade científica não é suficientemente boa para tais situações...
Reproduzo então um trecho:

"Lia,

Eu também não tinha opinião formada, Mas agora está formadíssima!!!

Gravidez é muito bom, ter uma filha VIVA se mexendo em mim é uma benção.
Agora sou definitivamente CONTRA o aborto, seja de fetos normais ou malformados. O vínculo com um bebê especial existe. E eu, que não esperava sentir vínculo com meu possível filho normal, agora sinto extremo amor e prazer na gestação de um bebê com anencefalia.
A cada dia tenho mais certeza de que o sofrimento é TER o filho com anencefalia, e não ter que carregá-lo por nove meses.
Não acredito que terminar a vida de um filho com 12 semanas diminua esse sofrimento. Ele já existe, você já teve o filho com anencefalia, mesmo que ele só dure 12 semanas.
Acredito até que viver a gestação e curtir seu filhinho no pouco tempo que você o tem é extremamente terapêutico.
A sociedade precisa ouvir isso. As mulheres precisam de apoio, de carinho, de amor. Não de um aborto. Fui extremamente apoiada desde o primeiro minuto do diagnóstico: pelo ultrassonografista, por meu esposo, por meu obstetra. Foram os primeiros a me abraçar e me dar segurança.
E agora toda a minha família está curtindo minha filha anencéfala, estamos comprando coisinhas só para ela e planejando o nascimento e o sepultamento.
É luto normal, fisiológico, gradual, que vai sendo elaborado ao longo da gestação. Não tem como se resolver tudo com um aborto na 12ª semana, imediatamente após o diagnóstico. Acho que as mulheres são oprimidas e não têm tempo nem apoio para crescerem e resolverem seu próprio luto.
Estou escrevendo o livro e espero poder trazer uma reflexão diferente sobre diagnósticos pré-natal de malformações letais.
Como mulher, sinto-me forte e segura. Já sou mãe de Esther, que também, já tem uma família cheia de amor aguardando para aproveitar cada minuto dela aqui.
Um grande beijo, Quésia."


(VILLAMIL, Quésia T. M. F. Os últimos quatro meses: diário de gravidez de um bebê com anencefalia. 
Belo Horizonte: Folium, 2012.)

É triste saber que ela vai partir para a eternidade quando se desligar do meu corpo e por isso é tão maravilhoso saber que, enquanto ela estiver comigo, recebe nutrientes e se mantém viva.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

"João é seu nome" Lc 1,63b

Ontem a noite, depois que chagamos da missa, estava já com algumas ideias e sentimentos no coração para postar. Mas faltou a energia elétrica. Triste deixei para outro dia. E agora, mesmo já perto da uma hora da manhã, não conseguiria dormir sem escrever...

Nas intenções dessa missa constava o nome 'João da Silva Teixeira, 9 meses de falecimento'. A liturgia da Igreja celebrava o nascimento de João Batista, e tudo fez tanto sentido. Ainda no ventre materno nosso bebê (sentenciado com a síndrome de patau) recebeu o nome de João. Pois Fabiano, alicerçava-se na mesma promessa feita a Zacarias (Lc 1,13-17): "Não temas, foi ouvida a tua oração. Tua mulher dará a luz a um filho... e lhe porás o nome de João. Ele será para ti motivo de gozo e alegria". Joãozinho foi para nós como João Batista: veio nos reconduzir à Deus, veio nos reconduzir um pro outro, veio nos reconduzir pros nossos filhos. Como João Batista nos apontou para o que interessa, o que é realmente importante.
Na festa de São João se ascende fogueiras, nas Igrejas a gente canta acenando para as chamas das velas "João Batista vem ensinar, os caminhos a preparar...". Eu canto, para dois Joões...

Por fim, descubro pela homilia do sacerdote que o nome João significa:
"Deus é piedoso. Deus é bom".
Realmente João era (é) seu nome, filho.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Era uma vez

Ontem contamos a história do João mais uma vez, para um grupo de casais, em um retiro da RCC.
Cada vez que recontamos essa história, ela se (re)atualiza em nós, e mais uma vez aprendemos algo.

O tema era "Fortes na tribulação". Isso quer dizer fortes na dificuldades, firmes no sofrimento... é possível?
Falamos de como o cristianismo entende o sofrimento, que longe de sermos coniventes (acomodados) com as formas de sofrer, somos resignados com aqueles (os sofrimentos) que batem à nossa porta. Há um 'bem sofrer' para o cristão. Ele não sofre porque gosta, sofre porque a vida lhe convoca. Sofre e usa do sofrimento como um trampolim para sua vida (espiritual e natural).
Eu e Fabiano tivemos essa graça. De sofrer. De amar no sofrimento. De sofrer sem perder a esperança. De sofrer e ser alegre. Tivemos a graça de manter-nos "alegres na esperança, pacientes na tribulação e perseverantes na oração" (Rm 12, 12).

Falar disso no mundo de hoje parece loucura. Porque buscamos o prazer e a felicidade quase desenfreadamente. Muitas vezes acreditamos na ilusão de uma vida sem desencontros, perdas, angústias, frustrações e privações. Como se viver sem passar por certa dose de sofrimento fosse possível... Construi-se um ideal de Felicidade - sim, com letra maiúscula - onde só é possível a felicidade plena, e a harmonia total é a meta. Numa sadia espiritualidade cristã aprende-se que ser feliz e ter dificuldades e sofrimentos nessa vida não são excludentes; vai depender de como encaramos tanto a vida como o sofrimento.

ps.: Pedrinho chorou ontem vendo as fotos de João. Disse que chorava de saudade. Sim contar a história traz também a saudade. Mas é também contar e recontar que alivia a saudade.


A vida é mesmo paradoxal.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

tem um blog?

Numa discussão teórica sobre as novas tecnologias e a possibilidades de construção de redes, falei do blog. Um colega interrogou-me "tens um blog?"... A pergunta ecou em mim. Parecia que eu não podia responder que eu tinha um blog. Aqui em casa (na família) a gente sempre se refere 'ao blog do João'. A idéia de construí-lo foi do Fabiano (papai do João) e em verdade foi ele que deu o pontapé inicial. Assim este blog parece muito mais que meu blog... ele é tudo isso junto: meu, do João, dessa história, da nossa família...
Claro, eu escrevo nele. Mas o que escrevo é alimentado por tudo isso.

Aliás escrever a história do João me ajudou muito a vivê-la.
Escrever sobre o sofrer foi transcendê-lo.
Escrever foi muito mais do que falar. Muito mais do que tornar público.
(mas é tudo isso junto).

quinta-feira, 10 de maio de 2012

João e seus amigos lá no céu...

Na terça falei da Larissa e sua linda família aqui no post... ontem (quarta) a pequena princesa encerrou sua batalha, foi brincar com o João e o Gabri lá no céu. É bem provável que os três corram e façam as mil estripulias que por aqui não puderam realizar. É bem provável que se entretenham brincando com o manto de Nossa Senhora - para quem todas as mães que sofrem as dores de seus filhos recorrem.


Não poderia faltar essa homenagem aqui no blog do João.
Ontem Larissa nasceu para o céu.
Ontem eu vi uma linda despedida: pais e irmãos que chorando cantavam as músicas que Lari gostava; choravam a saudade, mas os olhos carregavam ainda fagulhas de esperança e no peito a paz! A esperança de quem sabe que a vida tem muito ainda para dar-lhes. A paz de quem amou tanto quanto pode.


Pra encerrar reproduzo um comentário do face...
"não parece 'natural' que uma mãe perca seu filho.. mas dps que agente passa por isso descobre q existem muitas por aí, q vivem já com um pedaço só do coração.. e toda vez que elas se encontram, misturam suas lágrimas e olham pro horizonte."



terça-feira, 8 de maio de 2012

Lá, de novo...

Na última sexta-feira fui à Cti pediátrica mais uma vez. O mesmo hospital. O mesmo andar. Muitas coisas familiares... voltar lá é voltar no tempo de alguma forma: lembrar de detalhes já experimentados e que pareciam esquecidos, refazer a história em cada passo que ecoa no corredor hospitalar. No interfone, estranhei minha apresentação 'visita da Larissa'. Sim, estava lá como uma visita. Mas logo alguém situou um outro 'a Geise, mãe do Joãozinho'... Era uma visita na cti, mas naquele lugar serei sempre um pouco mãe.


Larissa é uma menina linda, companheira das lutas do João (patologia genética sem cura com tratamentos paliativos). Nossas famílias se uniram por uma mesma fé e a identificação nas histórias uns dos outros aproximou-nos. Ver a Mônica (sua mãezinha) é um pouco me ver. Vê-la reafirma em mim a certeza de que valeu a pena. Nela, reafirma a esperança de que tudo acaba bem, conforme a vontade de Deus.


Aí me perguntaram se não me fazia mal ir à cti.É claro que bate uma saudade danada e até uma vontade de chorar um tanto. Despertou em mim uma certa nostalgia: saudade de tocar o João, de sentir seu cheirinho, do seu cabelo ruivinho e, principalmente, de dar-lhe colo.Mas essa nostalgia, essa saudade não me fazem mal. Persigo os momentos bons que as lembranças trazem e os sentidos construídos para esse sofrer.Não me faz mal ir àquela cti porque não guardo nenhum sentimento de revolta. Não sinto raiva. Não me sinto penalizada ou vítima de algo. Sofro a saudade para também transforma-la em algo: abraçar a Mônica e conhecer a Larissa, nesse caso valeram muito a pena.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Anencéfalos

Então agora, no Brasil, aqueles que forem diagnosticados como anencéfalos (sem cérebro) ainda no ventre materno poderão ter a vida interrompida... a mãe decide sobre seu direito de nascer. 

Sei bem que no exercício da autonomia cada um decide o quanto pode sobre sua vida, luta para ser ouvido e ter suas necessidades atendidas. Ter autonomia representa ser responsável por essas decisões também, e isso implica levar sempre em conta o quanto nossa vida influencia e é influenciada pela vida de outros. Sendo assim, não acho que a minha verdade (aquilo que acredito, que entendo como bom, aquilo que decidi para mim e minha vida...) seja válido e deva ser imposto à todos. Não é neste sentido que escrevo. Escrevo para acrescentar na discussão...

Nosso João tinha muitos poucos recursos cerebrais. Não tinha o diagnóstico de anencefalia. Embora os médicos tenham nos dito, mais de uam vez "é como se ele não tivesse cérebro". Tinha haloprosenfalia, microcefalia e hidroencefalia.
Talvez a ciência não o tenha recebido como um sujeito da vida. Mesmo assim demos significado a sua curta vida, ele foi nosso filho e não uma criança sem cérebro, não um sindrômico.
É verdade, teve uma vida restrita. Precisou de suporte e conforto que nos vieram da medicina. Sofreu também. Foi muito amado. Ganhou carinho. E de algum modo comunicou-nos, reagiu, sentiu. Existia vida nele, existia vida em nós ao cuidarmos dele. Não era a vida perfeita, não era a vida que eu teria querido á ele... Mas era uma vida.
Permitir que a vida do João vivesse na nossa, talvez tenha sido a melhor decisão que já tomamos.

Somos pois, depois de tudo isso que nos aconteceu, irrevogavelmente #aFavorDaVida!

domingo, 1 de abril de 2012

nuvem





quando a tristeza da morte, 
como sombra espreita o peito dos que amam
há que se lembrar da alegria que a vida produziu,
mesmo que seus mínimos reflexos de luz
sejam como a aurora abrindo passagem na nuvem escura de temporal

quarta-feira, 21 de março de 2012

Viver em comunidade


    Dizem que é na hora do pranto, da lágrima, que conhecemos nossos verdadeiros amigos. Foi na hora do sofrimento que conhecemos verdadeiramente nossa comunidade. Em algum momento eu precisaria escrever sobre eles aqui no blog.
     Foi a Comunidade Filhos da Cruz o primeiro lugar que corremos, naquele dia em que se confirmou o terrível diagnóstico para nosso pequeno bebê (com apenas alguns poucos meses de gestação). Depois de ter ouvido da médica “teu nenê têm uma síndrome incompatível com a vida” além das possíveis dificuldades e sofrimentos que o nenê teria a partir de seu problema genético (trissomia do cromossoma 13 ou Síndrome de Patau); um tanto atordoados com tudo isso, entre lágrimas e abraços fomos acolhidos pelos irmãos da pertença Vida. Que depois de escutarem nossos relatos e angústias, nos levaram ao oratório, para a primeira de muitas orações, suplicas e clamores pelo pequeno João. Desta primeira oração, levantaram-se um pai e uma mãe cheios de esperança e confiança no Senhor Jesus; dispostos a lutar pela vida de seus filhos e fazer a vontade de Deus.
     Seguiram-se meses de intensa oração. Fomos partilhando as dores desta gestação com todos os irmãos de comunidade (os de Vida e de Aliança). Era dessa partilha e da oração de cada um deles que nascia nossa coragem. O tempo foi passando e os prognósticos médicos cada vez mais pessimistas: ainda em útero pode-se constatar que Joãozinho tinha microcefalia e tetralogia de fallot (graves dificuldades cardíacas), para a ciência ele não conseguiria nascer e, se chegasse a isso, sobreviveria por apenas algumas horas. Cada notícia ruim era transformada em Ave-Marias, em novenas e em carinho.
    Muitas vezes recorremos à esses irmãos de caminhada porque não queríamos fazer sofrer ainda mais nossos pais e irmãos. Nossa família foi importante demais em todo o processo de luta com o João. A verdade é que, nossa família cresceu muito em amor, partilha e carinho... Mas também em tamanho, cresceu porque eu e Fabiano a estendemos: os irmãos de comunidade se transformaram em nossa família também.
    Nesse período descobrimos a graça que nosso carisma comporta de amar intensamente, amar como os mártires (dando de si mesmo, morrendo para si mesmo) e de amar o sofrimento, a cruz. Como nos diz Santo Agostinho “Quem ama não sofre. Se sofre, ama até o sofrimento”.
    O Pai do céu ouviu o clamor dos Filhos da Cruz, pois João nasceu no dia 18 de novembro de 2010. E sua vida foi cheia de prodígios e sinais do amor Deus. Depois de duas cirurgias, duas internações (uma de 49 dias e outra de mais de setes meses), de dias ruins e dias serenos, de convulsões, apneias, apitos de aparelhos, tantos remédios, médicos, enfermeiras, sondas, antibióticos, diarreias... Depois de ganhar muitos colos, de ganhar muitos presentes, de reações inesperadas, de 15 minutos respirando sem auxílio mecânico algum, de segurar nosso dedo indicador tantas vezes, de reagir a nossos afagos, de muitos chamegos de avós, da visita dos maninhos tantas vezes... Completou 10 meses de vida e faleceu no dia 26 de setembro de 2011.
Nossa família estendida (avós, irmãos, cunhados e etc) amou muito João e o acolheu pois ele nasceu em nosso meio. Mas muitos amaram o João gratuitamente.
    Em todos esses momentos a comunidade nos foi um oásis. Cada irmão de comunidade foi para nós a mão do próprio Deus a nos erguer. O amor com que cada um deles amou o João nos comove até hoje, ele tornou-se também um Filho da Cruz.

ps.: esse testemunho está também no site e informativo da comunidade Filhos da Cruz. Mais informações www.filhosdacruz.com.br

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Cinzas e sofrimento

Hoje é quarta-feira de cinzas, início da quaresma para nós católicos. Seguem-se dias de reflexão, de contrição, de revisão de vida e de propósitos de mudança. Seguem-se dias de preparação para a Páscoa: a grande festa da ressurreição! Sempre gostei muito da páscoa, desde criança; pra mim é mais importante e interessante que o Natal. Na páscoa a vida ressurge, vence a morte, recomeça. Mas para viver a páscoa precisa viver a quaresma...


A mística da quaresma e o mistério da Páscoa nos ensinam muito sobre o sofrer. O sofrimento, quando bem vivido, pode nos levar à uma vida nova (uma ressurreição). Como um sofrimento pode ser 'bem vivido'? Quando não nos esquivamos dele, é preciso experimentar das lágrimas que ele trouxer. Quando nos permitimos transbordar o sofrer de alguma forma.


Em vários momentos da gestação do João, quando nos deparávamos com as realidades difíceis de sua síndrome (principalmente quando os prognósticos cada vez mais restringiam suas possibilidades de vida), a 'galera da medicina' que nos cuidava, com muita delicadeza buscava nos 'desobrigar' de um envolvimento maior com o bebê. Racionalmente parece uma saída coerente: quanto menos nos envolvermos afetivamente, menos sofreremos quando o fim (tão anunciado) chegasse. Por exemplo: nunca chamaram o bebê pelo nome, que eu insistia em dizer-lhes em toda a oportunidade; ou sugerindo que eu tomasse um remédio para 'secar' o leite, já que João não conseguiria sugar, e etc.
Mas nós, de certa forma, até mesmo teimosamente, insistimos em sofrer tudo que era preciso sofrer. Insistimos em insistir. Insistimos em envolvermos, mesmo que o final fosse o sofrimento. E não só nos envolvemos, como envolvemos nossos filhos, parentes e amigos. Insisti: fiz enxoval, chá de fralda e novena. Insisti: bordei nome em toalha, batizei e tirei leite em máquina.
Um dia uma médica geneticista, com larga experiência de pacientes sindrômicos nos disse: "aprendi, percebendo que aqueles que mais se envolviam com seus bebês(e que, de certa forma os tratavam como filhos normais), eram aqueles que melhor enfrentavam a morte/perda destes filhos". 


É aí que me refiro! A melhor maneira de enfrentar um sofrimento é sofrê-lo, de peito aberto.
Mas saiba que, não estou fazendo uma apologia ao sofrimento. Não penso que devamos procurá-lo. Nem é preciso procurar, mais dia menos dia, ele chega - é inerente à vida humana. A celebração das cinzas de hoje nos lembra:"és pó e ao pó retornarás". 
Muito menos, entendo que a posição de vítima, ou vitimização, dramatização das situações é o 'bem sofrer'. 
É preciso sofrer e seguir em frente. Sofrer-e-viver: uma coisa só!
Levar o sofrimento como uma quaresma. Deixar que o sofrer seja ressurreição pascal: vida nova.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

E o blog?!

Entrei no blog hoje decidida a fazer 'a última postagem', a fazer uma postagem de despedida que fechasse o blog. Mas então comecei a ler tudo que aqui já tinha escrito... encontrei as frases:

Temos outra certeza: a vida continuará, mostrando o quanto valeu a pena.

Assim, esse blog será mantido no ar. Continuaremos a escrever.
Porque tudo o que o João deixou continua vivo em nós.
Deixou-nos uma herança: continuarmos lutando pela dignidade de toda vida humana.

Convencida fui, pelos meus próprios argumentos.
Mas não sei que rumo ainda esse blog vai tomar. Preciso pensar e rezar, ver se me inspiro.
Certo é que o blog manterá aceso em mim o que vivi, e a herança do João pra mim.
Conclusão: eu preciso do blog.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Então tá, 2012: e agora?

E agora?
...
Desde a partida do João não voltei a trabalhar ainda. Tirei umas férias. Processei no coração um pouco de tudo que me aconteceu em 2011. Aproveitei meus dois tesouros (Ana Luíza e Pedro). Organizei coisa, limpei paredes, fui dona de casa.
Agora, vai se aproximando a hora de dar mais uma passo no processo de continuar a vida. (tinha escrito antes recomeçar, mas não era isso: a minha vida não estava parada, tinha parado algumas atividades... por isso escolhi a palavra continuar.) Tenho mais um pouco de férias, e uma prainha pra pegar e, se tudo der certo, retomo o trabalho. E desejo voltar. Gosto muito do que faço. Mas ainda não sei em que psicóloga me tornei depois dessas tantas experiências com o João. Não sei, vou tatear.


Vamos embora viver o Ano Novo!