sábado, 30 de junho de 2012

"Carregar até o fim"

Ontem acabei de ler um belo livro "Os últimos quatro meses", de Quésia Tamara Villamil. Trata-se de um diário. O diário de uma gravidez. Uma gravidez especial, de um bebê com anencefalia.  Um livro que eu conheci pela internet (no link: http://www.youtube.com/watch?v=2DrDBRFApLs&feature=player_embedded) e que traduziu muitos dos sentimentos, lutas e emoções vividas na minha história com João. Quésia (que é médica obstetra) nos conta como transformou um bebê com anencefalia na sua linda filha Esther.

Mas hoje queria partilhar uma questão que a autora traz: sua opinião em relação ao aborto de anencéfalos. Pensando que só quem passa por tal situação pode ter uma opinião formulada, a autora decide explicitá-la. 
A minha opinião é a mesma. Acho que a saída mais saudável emocionalmente pode ser a de levar a termo tais gravidezes. Mais além, penso que atualmente os profissionais não estão preparados para acompanhar e auxiliar suas pacientes nas suas decisões - e isso inclui escutar as crenças, valores e sonhos destas famílias e mulheres. A objetividade científica não é suficientemente boa para tais situações...
Reproduzo então um trecho:

"Lia,

Eu também não tinha opinião formada, Mas agora está formadíssima!!!

Gravidez é muito bom, ter uma filha VIVA se mexendo em mim é uma benção.
Agora sou definitivamente CONTRA o aborto, seja de fetos normais ou malformados. O vínculo com um bebê especial existe. E eu, que não esperava sentir vínculo com meu possível filho normal, agora sinto extremo amor e prazer na gestação de um bebê com anencefalia.
A cada dia tenho mais certeza de que o sofrimento é TER o filho com anencefalia, e não ter que carregá-lo por nove meses.
Não acredito que terminar a vida de um filho com 12 semanas diminua esse sofrimento. Ele já existe, você já teve o filho com anencefalia, mesmo que ele só dure 12 semanas.
Acredito até que viver a gestação e curtir seu filhinho no pouco tempo que você o tem é extremamente terapêutico.
A sociedade precisa ouvir isso. As mulheres precisam de apoio, de carinho, de amor. Não de um aborto. Fui extremamente apoiada desde o primeiro minuto do diagnóstico: pelo ultrassonografista, por meu esposo, por meu obstetra. Foram os primeiros a me abraçar e me dar segurança.
E agora toda a minha família está curtindo minha filha anencéfala, estamos comprando coisinhas só para ela e planejando o nascimento e o sepultamento.
É luto normal, fisiológico, gradual, que vai sendo elaborado ao longo da gestação. Não tem como se resolver tudo com um aborto na 12ª semana, imediatamente após o diagnóstico. Acho que as mulheres são oprimidas e não têm tempo nem apoio para crescerem e resolverem seu próprio luto.
Estou escrevendo o livro e espero poder trazer uma reflexão diferente sobre diagnósticos pré-natal de malformações letais.
Como mulher, sinto-me forte e segura. Já sou mãe de Esther, que também, já tem uma família cheia de amor aguardando para aproveitar cada minuto dela aqui.
Um grande beijo, Quésia."


(VILLAMIL, Quésia T. M. F. Os últimos quatro meses: diário de gravidez de um bebê com anencefalia. 
Belo Horizonte: Folium, 2012.)

É triste saber que ela vai partir para a eternidade quando se desligar do meu corpo e por isso é tão maravilhoso saber que, enquanto ela estiver comigo, recebe nutrientes e se mantém viva.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

"João é seu nome" Lc 1,63b

Ontem a noite, depois que chagamos da missa, estava já com algumas ideias e sentimentos no coração para postar. Mas faltou a energia elétrica. Triste deixei para outro dia. E agora, mesmo já perto da uma hora da manhã, não conseguiria dormir sem escrever...

Nas intenções dessa missa constava o nome 'João da Silva Teixeira, 9 meses de falecimento'. A liturgia da Igreja celebrava o nascimento de João Batista, e tudo fez tanto sentido. Ainda no ventre materno nosso bebê (sentenciado com a síndrome de patau) recebeu o nome de João. Pois Fabiano, alicerçava-se na mesma promessa feita a Zacarias (Lc 1,13-17): "Não temas, foi ouvida a tua oração. Tua mulher dará a luz a um filho... e lhe porás o nome de João. Ele será para ti motivo de gozo e alegria". Joãozinho foi para nós como João Batista: veio nos reconduzir à Deus, veio nos reconduzir um pro outro, veio nos reconduzir pros nossos filhos. Como João Batista nos apontou para o que interessa, o que é realmente importante.
Na festa de São João se ascende fogueiras, nas Igrejas a gente canta acenando para as chamas das velas "João Batista vem ensinar, os caminhos a preparar...". Eu canto, para dois Joões...

Por fim, descubro pela homilia do sacerdote que o nome João significa:
"Deus é piedoso. Deus é bom".
Realmente João era (é) seu nome, filho.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Era uma vez

Ontem contamos a história do João mais uma vez, para um grupo de casais, em um retiro da RCC.
Cada vez que recontamos essa história, ela se (re)atualiza em nós, e mais uma vez aprendemos algo.

O tema era "Fortes na tribulação". Isso quer dizer fortes na dificuldades, firmes no sofrimento... é possível?
Falamos de como o cristianismo entende o sofrimento, que longe de sermos coniventes (acomodados) com as formas de sofrer, somos resignados com aqueles (os sofrimentos) que batem à nossa porta. Há um 'bem sofrer' para o cristão. Ele não sofre porque gosta, sofre porque a vida lhe convoca. Sofre e usa do sofrimento como um trampolim para sua vida (espiritual e natural).
Eu e Fabiano tivemos essa graça. De sofrer. De amar no sofrimento. De sofrer sem perder a esperança. De sofrer e ser alegre. Tivemos a graça de manter-nos "alegres na esperança, pacientes na tribulação e perseverantes na oração" (Rm 12, 12).

Falar disso no mundo de hoje parece loucura. Porque buscamos o prazer e a felicidade quase desenfreadamente. Muitas vezes acreditamos na ilusão de uma vida sem desencontros, perdas, angústias, frustrações e privações. Como se viver sem passar por certa dose de sofrimento fosse possível... Construi-se um ideal de Felicidade - sim, com letra maiúscula - onde só é possível a felicidade plena, e a harmonia total é a meta. Numa sadia espiritualidade cristã aprende-se que ser feliz e ter dificuldades e sofrimentos nessa vida não são excludentes; vai depender de como encaramos tanto a vida como o sofrimento.

ps.: Pedrinho chorou ontem vendo as fotos de João. Disse que chorava de saudade. Sim contar a história traz também a saudade. Mas é também contar e recontar que alivia a saudade.


A vida é mesmo paradoxal.