Naquela semana havia notado que João andava mais quieto, mais 'apagado' como costumávamos dizer (quando dormia muito, não apresentava muitas reações aos estímulos...). Meu coração de mãe andava inquieto sem saber porque. João vinha de meses estáveis desde o inverno, mas estava apresentando uma hepatite farmacológica (causada pelo uso de medicações). Então na quarta ou quinta-feira (não lembro bem), durante os preparativos para o seu banho, na troca das fraldas a técnica de enfermagem percebeu sangue vivo nas fezes. Foi só ela continuar a limpeza e mexer um pouquinho mais nele que a hemorragia se apresentou. Perdeu muito sangue, ficou pálido. No dia seguinte pela manhã uma séria conversa com a médica que cuidava do João e eu entendi / compreendi que o fim estava começando.
O final de semana se arrastou. João recebeu um acesso central para receber medicações e soro sem importuná-lo e causar mais dor ainda. Aumentaram os sedativos para conforto. Não sei quantas horas passei lá naqueles dias, mas a minha impressão é de que o tempo havia parado. Eu e Fabiano rezamos bastante e estávamos com o coração ao mesmo tempo angustiado e tranquilo. João visivelmente estava cansado de sua luta. A saturação começou lentamente a diminuir, acompanhada dos batimentos cardíacos, precisou de mais ajuda do respirador.
Já entendiamos e aceitamos que haveria um limite desta intervenção de manutenção da vida do João. O respirador não passaria deste limite pois dali em diante causaria mais dor e dano. Este limite foi alcançado na segunda-feira pela manhã. Em alguns momentos eu rezava pedindo uma reação do João, em outros pedia que se terminasse seu sofrer.. por fim, pedia que a vontade de Deus se realizasse. Os alarmes e bib's foram desligados, os aparelhos funcionavam silenciosamente, para não trazer mais ansiedade àquele dia, por certo apitariam sem parar já que os níveis do Joãozinho já andavam bem abaixo dos parâmetros. O dia se arrastou.
A tarde liguei para o Fabiano e pedi que viesse direto do trabalho para o hospital. Eu o esperaria lá para conversarmos. Eu estava convicta a não mais deixar o João sozinho. Fabiano chegou ao hospital as seis e meia da tarde. A impressão que temos é que João o estava esperando. Ele entrou na UTI, conversamos, fez um carinho no João e saiu para falar ao celular (justamente sobre o Joãozinho). Eu estava com João, ao lado de seu leito. Percebi que a contagem dos batimentos estava muito baixa e a respiração muito fraca. Fiquei fazendo um carinho nos ruivos cabelos. A técnica de enfermagem se aproximou e eu apontei para o monitor e perguntei com alguma esperança 'será que tá funcionando?'. Ela olhou e saiu da sala para chamar o médico. Quando ele entrou, uma questão de segundos depois, já me encontrou cheia de lágrimas. Eu sabia que ele já tinha partido. Fabiano retornou chamado pela enfermeira, entra na sala enquanto o médico faz o exame, olhando para ele balanço a cabeça. Dr. Luciano, põe cuidadosamente o estetoscópio no pescoço como a ganhar um tempo de respiração. Seu olhar declara a morte de nosso Joãozinho. Ele não diz nada, estende sua mão e aperta a minha.
Só tinha mais um pedido a fazer: desejava abraçar meu filho nos braços sem nenhum fio ligado, sem aparelho algum, só nós, como nunca pude antes pegá-lo.
Não sei ao certo porque desejei contar isso aqui. As vezes tenho medo de esquecer.