quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Cinzas e sofrimento

Hoje é quarta-feira de cinzas, início da quaresma para nós católicos. Seguem-se dias de reflexão, de contrição, de revisão de vida e de propósitos de mudança. Seguem-se dias de preparação para a Páscoa: a grande festa da ressurreição! Sempre gostei muito da páscoa, desde criança; pra mim é mais importante e interessante que o Natal. Na páscoa a vida ressurge, vence a morte, recomeça. Mas para viver a páscoa precisa viver a quaresma...


A mística da quaresma e o mistério da Páscoa nos ensinam muito sobre o sofrer. O sofrimento, quando bem vivido, pode nos levar à uma vida nova (uma ressurreição). Como um sofrimento pode ser 'bem vivido'? Quando não nos esquivamos dele, é preciso experimentar das lágrimas que ele trouxer. Quando nos permitimos transbordar o sofrer de alguma forma.


Em vários momentos da gestação do João, quando nos deparávamos com as realidades difíceis de sua síndrome (principalmente quando os prognósticos cada vez mais restringiam suas possibilidades de vida), a 'galera da medicina' que nos cuidava, com muita delicadeza buscava nos 'desobrigar' de um envolvimento maior com o bebê. Racionalmente parece uma saída coerente: quanto menos nos envolvermos afetivamente, menos sofreremos quando o fim (tão anunciado) chegasse. Por exemplo: nunca chamaram o bebê pelo nome, que eu insistia em dizer-lhes em toda a oportunidade; ou sugerindo que eu tomasse um remédio para 'secar' o leite, já que João não conseguiria sugar, e etc.
Mas nós, de certa forma, até mesmo teimosamente, insistimos em sofrer tudo que era preciso sofrer. Insistimos em insistir. Insistimos em envolvermos, mesmo que o final fosse o sofrimento. E não só nos envolvemos, como envolvemos nossos filhos, parentes e amigos. Insisti: fiz enxoval, chá de fralda e novena. Insisti: bordei nome em toalha, batizei e tirei leite em máquina.
Um dia uma médica geneticista, com larga experiência de pacientes sindrômicos nos disse: "aprendi, percebendo que aqueles que mais se envolviam com seus bebês(e que, de certa forma os tratavam como filhos normais), eram aqueles que melhor enfrentavam a morte/perda destes filhos". 


É aí que me refiro! A melhor maneira de enfrentar um sofrimento é sofrê-lo, de peito aberto.
Mas saiba que, não estou fazendo uma apologia ao sofrimento. Não penso que devamos procurá-lo. Nem é preciso procurar, mais dia menos dia, ele chega - é inerente à vida humana. A celebração das cinzas de hoje nos lembra:"és pó e ao pó retornarás". 
Muito menos, entendo que a posição de vítima, ou vitimização, dramatização das situações é o 'bem sofrer'. 
É preciso sofrer e seguir em frente. Sofrer-e-viver: uma coisa só!
Levar o sofrimento como uma quaresma. Deixar que o sofrer seja ressurreição pascal: vida nova.

Um comentário:

talita_kedman disse...

Que lindas suas palavras! Vocês viveram o sofrimento de peito aberto e logo vem a ressurreição.
Deus abençoe vocês!!