quarta-feira, 19 de junho de 2013

Os poderes do amor

Uma frágil-forte mãe entra na tecnológica sala do Centro de Tratamento Intensivo Neonatal (a CTI Neo). Entra com um sorriso doce e um ar de bom dia que só as mães tem no domingo. Se fechasse os olhos após a sua passagem juraria sentir o cheiro de café passado vir escorregando por de traz dela. Mas os bip-bip intermináveis dos aparelhos não nos deixa fechar os olhos por muito tempo.

Ela desfila pela sala elegante como as mães dos contos de fada. A maquiagem leve disfarça o cansaço junto as lutas de seu pequeno filho. É bela a mãe. E já se sente tão mãe quanto áquelas que ao terceiro dia após do parto amamentam seus filhos em poltronas grandes e fofas. Como pode ser já tão mãe esta que nem sequer toca pele a pele em seu filhote prenaturo, sempre protegida pelas luvas estéreis? Como aflora este ser em mulher que amamenta via máquina? Como se é mãe de alguém que não se pode cuidar ainda? Nem sequer dar um colinho?

Contra tudo isso, lá estão as mães circulando pela Neo. Entram e saem. Usam seus sutiãs de amamentação. Exigem explicações médicas. Choram do lado de fora. Tricotam na sala de espera. Coordenam a casa à distância - via celular. Trocam receitas e experiências entre elas. Perturbam a ordem. Procuram os termos médicos-científicos no google. Compadecem-se umas com as outras. Comemoram as gramas ganhas e os resultados de exames. E são bobas e sentimentais como todas as outras mães.

Mas voltemos a frágil-forte mãe. Ela chega naquele domingo com um grande e colorido livro. Senta-se na desconfortável poltrona, depois de cumprir os rituais previstos: lavagem de mãos e vestir o avental. Começa a proferir uma série de palavras - seriam sussurros?- para o pequeno filho quase perdido no emaranhado das máquinas, protegido no calor da encubadora. Após a breve saudação abre o livro e anuncia a história de hoje. Por breve minutos ela entona a voz e dá vida aos personagens. Fecha o livro.

Redescubro que o amor não apenas "supera tudo" como diz o ditado, mas ter o poder de atravessar vidros, acrílicos e paredes.

O mano do Joãozinho nasceu. Nasceu e precisou ficar quatro dias na CTI Neo, por conta de uma taquipneia transitória do recém-nascido. Nasceu no mesmo hospital que Joãozinho, nos fez rever, relembrar e revisitar as primeiras horas de vida do mano. Revivi sensações e sentimentos. Revivi cenas que parecem congeladas ou parecem que se repetem. Foi ai que lembrei: o amor é capaz de infiltrar-se sobre qualquer superfície e transpassar qualquer material. É assim que o amor acontece numa CTI Neo, ele escorrega por entre os aparelhos, perpassa aventais e luvas, penetra aproveitando o furo das agulhas, os buraquinhos da encubadora... estica-se para driblar os discursos biomédicos, expande-se quando encontra palavras e sorrisos.



Vó Vera, Pedrinho e Ana Luíza conhecendo o mano Caio pelo vidro da Cti Neonatal.

2 comentários:

solange borges disse...

essa é a filha da vera devit,so poderia ter saido d uma criatura tão maravilhosa,quanto a mãe!parabéns,e tudo realmente é uma lembrança,uma passagem,uma experiencia,enfim tudo é vida!!!!!!!!!

ariadne lima disse...

Chorei lendo e me fez lembrar de mim mesma,com o Davi na incubadora tbm sem poder toca lo e sem poder pegar no colo... Não me canso de ler e reler o blog do João, é como se eu não estivesse sozinha nessa batalha. E parabéns geise vc é uma super mãe ��